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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

NOS OMBROS

 

Segundo o historiador Silas H. Wu, na década de 20, foi levantada uma nova geração de líderes cristãos chineses, dos quais se destacavam, Ruth Lee, Peace Wang, Leland Wang e Watchman Nee. Mas já em 1924, teria ocorrido separação do grupo entre Nee, "cuja visão era de um tipo específico de reavivamento, enfocando o estabelecimento de igrejas locais, e Leland Wang, que sentiu a urgência de expandir o reavivamento evangelístico por toda a nação "(1). Independente de quem estivesse certo, Nee foi obediente à visão que teve. No Livro Palestras Adicionais (2), no primeiro capítulo, ele aborda a base da igreja. Na realidade, o fundamento da doutrina de Nee quanto à igreja está pautado em dois requisitos básicos:
a) a autoridade do Espírito Santo;
b) o limite da localidade.
Sem esses dois requisitos, para Nee não haveria igreja.
Quanto à autoridade do Espírito Santo, não há qualquer dúvida de que seja necessária para a existência de uma igreja normal.
O limite da localidade serviria para, dentre outras coisas, impedir que uma igreja fosse maior que uma cidade, como as igrejas nacionais, ou menor que uma cidade, como as denominações ou grupos livres.
Essa é uma visão muito clara e bíblica. Os problemas começam a surgir quando tenta-se praticar essa visão:
1) o que fazer com as denominações e grupos livres? Convencê-los de que estão fora da base correta? Trazê-los para a comunhão da igreja local na cidade?
2) o que fazer com os presbíteros que estão nas denominações e grupos livres? Destituí-los do presbitério, já que a Bíblia fala de presbitério único?
3) o que fazer com as cidades onde já há mais de um grupo pregando a unidade? Aplicar testes para saber qual é a igreja genuína e qual não é?
Quando se utilize de critérios objetivos, como o limite da localidade, teremos também de ser objetivos para declarar:
- quem não é igreja
- quem não é presbítero
- quem está em pecado
- quem está justificado
- quem está de acordo com a vontade de Deus, e portanto apto para ser arrebatado
- quem está fora da vontade de Deus, e portanto não tem condições de ser arrebatado
Para complicar um pouco mais as coisas, a relação entre a igreja local e o Corpo de Cristo na cidade também oferece dilemas. Por exemplo, cremos que toda a Palavra de Deus é direcionada ao Corpo de Cristo, que são todos os cristãos na cidade. Quando uma palavra é falada na igreja local, o destinatário não somente seriam os santos que reúnem no local de reuniões da igreja local, mas todos os irmãos na cidade. Mas o que ocorre quando a palavra é falada em uma denominação? Ela também é aplicada também à igreja local? Quando o Espírito Santo movesse os irmãos que estão nos grupos cristãos em determinada direção, esse mover também se aplicaria à igreja local? Agora a complicação final: os irmãos que estão nos grupos estão espiritualmente sob a autoridade espiritual dos presbíteros das igrejas locais? Calma, não responda tão rápido.
Dentre tantos, há um outro livro que sedimenta a visão da unidade, intitulado A ORTODOXIA DA IGREJA. Nesse livro, a igreja em Filadélfia, em que pese a Bíblia não mencionar diretamente, seriam os santos que vivem nas igrejas locais, excluindo as denominações e grupos livres. Por esse ponto de vista, as denominações ou outros grupos cristãos estão impedidos de viver quaisquer dos princípios da igreja em Filadélfia: amor fraternal, guardar a Palavra do Senhor, não negar seu nome etc. Não esses irmãos não podem viver essa realidade, porque a igreja em Filadélfia é a igreja local! É uma afirmação muito comprometedora e perigosa, mas, inconscientemente, é essa a conclusão, só não temos coragem de dizer publicamente. Note que a igreja em Filadélfia, por esse raciocínio, não é a igreja que vive em unidade, mas a igreja que vive na base da localidade, mas a Bíblia NÃO DIZ ISSO. Por quê? Ora, por que a unidade do Espírito pode ser vivida onde houver dois ou três reunidos no nome do Senhor, só por isso. Para se experimentar a visão da igreja em Filadélfia, pergunto a você, leitor, o que é mais importante, a unidade do Espírito ou o limite da localidade? Você pode dizer então que uma coisa não exclui a outra. Está correto, mas então lhe pergunto: o limite da localidade pode estar no meu espírito? Melhor esclarecendo, posso ser um com todos os santos que vivem em determinada cidade no meu espírito humano, não excluindo nem um santo sequer? Sim, posso, se neste momento, for um com o Espírito Santo, o mesmo que está nos amados daquela cidade. Note agora que, com base na visão das sete igrejas do Apocalipse, até mesmo o limite da localidade pode ser um critério subjetivo, se eu estiver no Espírito, se eu for um com os santos.
Não, as respostas não são simples, não é? Amigo leitor, não quero confundi-lo. Longe de mim, pois assim estaria também eu me afastando de Deus, pois nosso Deus não é um Deus de confusão. Mas uma vez mais afirmo, os princípios bíblico são espirituais e, por isso, se estiverem pulsando no meu espírito, eu estarei na realidade deles. Não posso fazer de princípios espirituais, princípios objetivos. O limite da localidade é um princípio espiritual. Está na Bíblia. Creio nele. Mas me reservo do direito de vivê-lo no meu espírito, sem nada exigir dos demais santos da minha cidade. Quando me perguntam de qual igreja sou, digo que sou da igreja da cidade, a única que existe, mas me reúno com os santos em casa. Estou eu dividindo o Corpo? Creio que não.
O próprio Nee, no final do livro Palestras Adicionais, arremata:
“Se não formos fiéis e fidedignos, o Senhor escolherá outros para trilharem este caminho. Acredito que Lhe seja possível fazê-lo. Mas levaria pelo menos outros vinte anos. Não diga que o Senhor não nos poria de lado. Ele pode facilmente maginalizar-nos; mas isto desperdiçaria outros vinte anos. Esperamos poupar vinte anos para o Senhor. Que Ele possa ter misericórdia de nós, de modo a podermos alcançá-lo. Vamos nos dedicar seriamente por isto. Neste dias, após passar por experiência muito pesadas e difíceis, Ele nos levou a ter este caminho. Não o abandonemos.” (grifo nosso).
Só podemos ter esta conversa, por que o irmãos Nee e muitos outros pagaram um preço, até mesmo com suas vidas. Somos gratos eternamente a esses santos, mas não somos reféns das doutrinas, nem eles queriam isso. Assim, como eles estiveram sobre os ombros de grandes mestres do passado, também podemos subir sobre seus ombros e, se o Senhor tiver misericórdia de nós, podemos enxergar um pouco mais.
Por enquanto, é isso que o Senhor tem nos revelado. Ele tem lhe mostrado algo mais? Deixe seu comentário.
Deus o abençoe!
- Dora Yu e o reavivamente cristão do século XX na China. Silas H. Wu. Ed. Piso River, 2002.
- Palestras Adicionais sobre a vida da igreja. Watchman Nee. Ed. Árvore da Vida, 5ª Ed., 1992.

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